A dicotomia do engano: os argentinos entre a desconfiança e a esperança – por Osvaldo González Iglesias. Intercambio diario Tribuna Prensa Libre Brasil

Nós, argentinos, vivemos em estado de choque.

Isso mantém-nos atentos, embora de vez em quando os políticos se encarreguem de nos enganar e tenhamos tendência a cair nas suas armadilhas. Ingênuo? Talvez. Ou talvez a nossa capacidade de superar obstáculos, a nossa capacidade de sobreviver num país em crise, recorrendo a centenas de dispositivos para fazer o nosso escasso dinheiro funcionar e manter alguns dos nossos cada vez mais limitados prazeres pequeno-burgueses, não seja suficiente para descobrir os enganos que os políticos nos sujeitam, fazendo-nos confiar neles, que com duas ou três medidas nos tirarão da pobreza e nos incorporarão ao progresso, ao desenvolvimento e à abundância. Por que sempre acreditamos neles? Porque eles também aprimoraram suas habilidades; porque têm uma vida quase resolvida e só passam o tempo pensando, com pesquisas em mãos, em como nos enganar, em como nos fazer acreditar neles e colocar o nosso futuro nas mãos deles, como se a história não se repetisse e nós cairiamos novamente na frustração de uma nova traição.

O pior é que as mesmas pessoas que talvez nos decepcionaram, uma e outra vez, se oferecem novamente como alternativa, sem que o pulso trema ou os rostos dos atores habilidosos em enganar fiquem vermelhos. Como classe, os políticos posicionam-se no topo para, a partir daí, nos verem caminhar; e nessa observação cuidadosa (inquéritos) podem detectar o que sentimos e o que queremos, o que nos acontece num determinado momento em determinadas situações (corrupção, insegurança, crise económica) e, a partir daí, aproximar-se de nós com a capacidade de construir decepção.

Existem centenas de sondadores que fornecem este tipo de informação, e muitos deles mostram como preparam as suas análises, alegando que os políticos não podem evitar estudar as suas avaliações. Parece que todos fazem parte daquele grupo que encena o comportamento dos políticos de acordo com os sentimentos do povo, com a intenção de tornar eficaz o engano e garantir que aqueles, que nos traem, voltem a vencer. Claro, dizem-vos que, conhecendo as necessidades e os sentimentos mais profundos do povo, prepararão as análises com o objectivo supremo de que a política resolva os problemas que tanto angustiam o cidadão.

Buenos Aires, Argentina. (Divulgação)

Muitas vezes, não temos tempo nem disposição para analisar os candidatos de forma independente e com informação suficiente que nos permita não sermos defraudados. Lembre-se que eles se dedicam a isso, enquanto nós temos que nos dedicar a viver (sobreviver) naquela Argentina que juntos tornamos possível. O artifício do engano é aperfeiçoado dia após dia; A experiência e as novas tecnologias tornam isso possível. Quando, neste quadro, chega alguém de fora do sistema, algum tipo de esperança parece reviver em nós, e como há tantos fracassos acumulados, estamos dispostos a nos sacrificar quando vermos que algo mais é possível.

Quem vem de fora do sistema político tradicional forjado, que parece não se emocionar com o poder e que faz o que disse mesmo que não seja agradável, merece consideração, uma oportunidade. Quem não tem interesse em enfrentar o sistema (sindicatos, partidos tradicionais, organizações de piquetes, máfias empresariais), dado que só se motiva pelo cumprimento de promessas eleitorais em detrimento da sua própria continuidade no poder, merece ser considerado, merece uma oportunidade.

Talvez seremos enganados de novo, será que nós, os argentinos que sabem tudo, estamos enganados? E se não, seria a última vez que isso aconteceria. Mas algo parece diferente do que já está estacionado; algo novo parece estar se formando, como se o país estivesse entrando em outra era, em outra forma de fazer política; talvez numa forma nova e mais sofisticada de engano. Só temos que esperar e ver os resultados.

São estes os elementos que nos farão compreender se voltamos a ser enganados ou se conseguimos, desta vez, acordar daquela longa letargia.

Radiografiara de una sociedad deprimida. (Como no agradecerle eternamente a Messi) - Debate y Convergencia

OSVALDO GONZÁLEZ IGLESIAS – Escritor e Dramaturgo. Director do jornal eletrônico Debate y Convergencia, correspondente do jornal Tribuna da Imprensa Livre na Argentina.

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